A Graduação


Passei para Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando eu ia à Ilha do Governador e passava pela frente do Hospital Universitário, sempre havia alguém que dizia que ali era o Fundão. Para mim, o Fundão era o prédio do hospital, em um andar seria Medicina, em outro, Engenharia, em outro, História, e assim seria para todos os cursos.

Peguei a comprovante de aprovação no vestibular e todos os documentos necessários para a matrícula e fui ao hospital. Aproximei-me do guarda que estava na portaria e disse-lhe que queria fazer a matrícula em Engenharia. Ele olhou-me com um olhar de espanto e disse: "Está vendo aquela caixa d'água redonda lá longe? (Era o centro de pesquisa da Petrobras.) Pois então, o Instituto de Engenharia é depois dela". Fui a pé até lá. Ao atravessar o Bloco A, deparei-me com o corredor que une os nove blocos do Centro de Tecnologia. Agora, o espanto era meu. Havia chegado a Sorbonne! Não demoraria muito para Sorbonne ruir.

O acesso ao Fundão era muito ruim. Havia uma ponte de mão dupla na direção de Bonsucesso, perto de Centro de Tecnologia, e a entrada pelo Hospital Universitário. Não estavam construídas a Linha Amarela e a Linha Vermelha e não havia ônibus que passasse pelo Fundão. Parece-me que havia um ônibus que saía de Copacabana e, nos primeiros horários da manhã, mudava o itinerário passando pelo Fundão. Internamente, um ônibus circulava, de hora em hora, ligando os centros de estudo.

Chegar, sair ou locomover-se dentro da Ilha do Fundão era uma aventura. O Fundão foi feito para quem tivesse carro. Quem não tivesse ficava dependendo de carona, o que era muito comum dentro da Ilha. Havia pontos com placas, semelhantes a pontos de ônibus, indicando "carona Zona Norte", "carona Zona Sul" para organizar as caronas. Eu vinha de Nova Iguaçu. Não havia placa "carona Nova Iguaçu". Para chegar ao Fundão, pegava o ônibus na Presidente Dutra, saltava no Viaduto de Bonsucesso, atravessava o viaduto e colocava o dedo de carona para funcionar. Além de entrar no Fundão com caronas dos colegas que possuíam carro, entrei em ambulância, em carro de bombeiro e em carroceria de caminhão. Certa vez parou um camburão oferecendo carona, achei melhor chegar atrasado à aula de Cálculo.

Havia quem dissesse que o Fundão foi construído a meio caminho. Eu completava: a meio caminho de lugar algum. De onde você saísse, o Fundão era longe. Ele foi projetado para quem tivesse carro. Passou no vestibular, ganha um carro de presente (só esqueceram de avisar isso para todos os pais).

O Fundão é uma ilha. Ele foi construído no período da ditadura militar. Os centros de maior movimentação política da UFRJ não ficavam no Fundão. O Centro de Filosofia e Ciências Humanas e o Centro de Filosofia e Ciências Sociais ficam na Praia Vermelha (Urca) e no Largo de São Francisco (Centro da Cidade). A faculdade de Letras ficava na Avenida Chile (também no Centro da Cidade). As áreas técnica e biomédica, com grande concentração de estudantes, ficam no Fundão. O acesso ao Fundão pelo lado de Bonsucesso era feito por uma ponte de mão dupla facilmente bloqueável. Havia duas saídas pelo lado do hospital. Uma que dava na Avenida Brasil, na qual funcionava um batalhão do exército; a outra que saía na Ilha do Governador, de frente para a aeronáutica. Além disso, um batalhão do exército funcionava dentro da ilha. Realmente, parece que o Fundão foi construído a meio caminho de lugar algum.

Inicialmente, meu pai bancava meus gastos, mas, assim que me matriculei, entrei com um pedido de crédito educativo, que não demorou a sair, o que aliviou os gastos de meu pai. O crédito educativo era um auxílio de manutenção, um dinheiro que eu ia receber todos os meses no Centro da Cidade. Não era muito, creio que alguma coisa em torno de meio salário mínimo. Eu passaria cinco anos recebendo, tempo estimado para terminar o curso, e, depois de um ano de formado, teria cinco anos para devolver o que recebi.

O valor que eu recebia não sofria ajustes e a inflação da época era grande e corroeu a ajuda de custo a tal ponto que, no final do crédito, eu deixava juntar três meses, pegava o dinheiro e gastava ele todo em um único almoço. Quando fui quitar minha dívida, cheguei ao banco e recebi um carnê com sessenta boletos com o mesmo valor que eu vinha recebendo sem reajuste. Paguei de uma só vez todos os boletos com o dinheiro que estava em meu bolso.

No segundo semestre, ainda no primeiro ano de curso, consegui um estágio na Secretaria de Obras de Nova Iguaçu. Isso livrou meu pai de qualquer gasto comigo. No segundo ano de curso, saí da Secretaria de Obras e comecei a ministrar aulas. O dinheiro que eu ganhava bancava, com folga, todos os meus gastos. O magistério, para quem não tem dinheiro, é uma fonte de renda inicial bastante convidativa. O problema é a estagnação do valor percebido, rapidamente chega-se a um ponto no qual só se ganha mais trabalhando mais, e as exigências dos compromissos assumidos vão empurrando para uma sobrecarga de trabalho.

Almoçava, com frequência, no bandejão da universidade. Não sei por que motivo, creio que por questões judiciais, o preço do bandejão não foi reajustado por alguns anos. Chegou-se ao ponto de pagar a refeição com moedas de centavos. É bem verdade que a comida servida não vinha de um restaurante cinco estrelas, mas, por centavos, a gelatina sintetizada no Instituto de Química era maravilhosa.

Muitos dos estudantes de Engenharia não encaravam o bandejão, almoçavam no restaurante do Bloco F, que chamávamos de Burguesão, onde o almoço não custava centavos, mas apresentava uma comida bem melhor.

A maioria daqueles que cursavam Engenharia tinha um padrão de vida bem elevado, quando comparado ao meu. Um colega que me dava carona ia à faculdade com um Landau. Cada vez que ele pisava naquele acelerador consumia meu dinheiro de passagem.

No ano em que passei no vestibular, 450 alunos iniciaram o curso de Engenharia comigo: 448 homens e duas mulheres. Não sei se elas terminaram o curso, porque deviam sofrer uma pressão terrível em um espaço eminentemente masculino.

Não me lembro de nenhum negro entre os 450 estudantes, mas havia um grupo de latinos que ingressaram por intermédio de intercâmbio. Eles também sofriam pressão e, em boa parte, devido a preconceito. Assisti um colega de curso dirigir-se a um latino perguntando o que eles vinham fazer aqui no Brasil, tomando vagas que eram nossas. Esse colega, além de preconceituoso, era burro. Assim como os latinos vinham estudar aqui, nós mandávamos brasileiros estudarem nos países deles. O nome disso é intercâmbio.

Sentia-me mais a vontade entre os latinos do que entre os brasileiros. Talvez porque, como eles, eu me sentisse um peixe fora d'água. Só não gostava quando eles começavam a conversar em guarani, excluindo-me da conversa. Quando isso acontecia, eu me sentia um peixe fora d'água e sozinho. No futebol entre brasileiros e estrangeiros, eu era posto para jogar com os estrangeiros, afinal de contas, eu era de Nova Iguaçu. Só conheci um colega que também era de Nova Iguaçu. Um rapaz que estudou no Colégio São José, na Tijuca, e cujo pai era dono de um laboratório de análises clínicas.

Meu coeficiente de rendimento (uma espécie de média das notas obtidas no curso) despencava o tempo todo. No primeiro semestre passei em todas as disciplinas, mas em Cálculo I minha primeira nota foi 4,5. Nunca havia recebido uma nota vermelha em Matemática. Tranquei-me em um quarto e passei uma semana debruçado sobre o livro de cálculo, Cálculo de uma Variável, de Robert T. Seeley. Não saía nem para almoçar, minha mãe trazia o prato e ia buscá-lo. O chão do quarto ficou cheio de formulários contínuos que eu usava como rascunho. Fui para a segunda prova e não tirei 10, tirei 9,5, mas passei. No segundo semestre, Cálculo II foi minha primeira reprovação. Daí para frente, colecionei fracassos em disciplinas.

Eu estava acostumado a estudar através de livros, nunca tive caderno, o que não é uma boa política nos cursos. As anotações de sala direcionam o estudo para o que será cobrado na prova. É possível perceber os destaques que o professor está fazendo e prever, razoavelmente, o que será cobrado na prova. Atendo-se ao livro, isso não acontece.

Trabalhava todas as noites, algumas manhãs e tardes, o que dificultava conseguir tempo para estudar. Era comum chegar à casa ao final da noite, jantar e sentar para estudar durante a madrugada. Quem trabalha e estuda, não dorme. Sendo professor, o período das provas na faculdade coincidia com o período das provas nas escolas, momento que temos que corrigir e apresentar os resultados dos alunos. Nesses períodos, para dar conta da sobrecarga de atividades, tomava um remédio para me manter acordado. Esse remédio era vendido sem receita médica e hoje é uma droga proibida. Tomava um comprimido à meia-noite e ia dormir. Duas horas da manhã acordava, sem despertador, e com todo gás para estudar e corrigir provas. Seguia criteriosamente as indicações da bula. Jamais tomava o comprimido por dois dias seguidos e limitava o uso da droga a curtos períodos de tempo. Mesmo assim, um dia acordei com o coração disparado e com dor no peito. Peguei os vidros do remédio que ainda possuía, despejei as pílulas no vaso sanitário e dei descarga. Com as pílulas foram embora a taquicardia e a vigília para estudar e corrigir provas.

Notas vermelhas não eram privilégio meu. Os resultados das avaliações eram postos em quadros no corredor, e esses quadros pareciam um campo de extermínio, tinha sangue por tudo quanto é lado. As aulas de cálculo, e boa parte das aulas de outras disciplinas, eram ministradas em salas auditórios, nas quais as alturas dos assentos aumentava com o afastamento do quadro, de tal forma que, quem sentasse na última fileira, parecia ver o quadro do segundo andar. Não havia curso de cálculo para Matemática, curso de cálculo para Engenharia, curso de cálculo para Farmácia. Cálculo era o mesmo para todas as escolas e as salas eram lotadas. O silêncio dos alunos era sepulcral. Era possível escutar o murmúrio das canetas nas folhas de papel. Eu não usava caderno e tentava entender o que ia surgindo nos quadros imensos e sobre o que o professor discorria. Em algumas aulas, eu só entendia duas coisas: "boa tarde" e "até a próxima aula". O que vinha no meio dessas duas coisas era um enigma. Sentia-me como um imbecil.

Certa feita, decidi interromper a caneta do colega que estava ao meu lado e perguntar-lhe sobre uma dúvida a respeito do que estava no quadro. A resposta que recebi foi: "Não sei! Não estou entendendo nada!" Fiquei animado. Comecei a perguntar a outros colegas e descobri que boa parte dos colegas também só entendia o "Boa tarde". Continuei sentindo-me um imbecil, mas já não estava sozinho.

O comportamento de alguns professores dava a impressão de acreditarem que quanto maior o número de notas vermelhas que distribuíssem, tanto melhor professor eles seriam. De outros, que a aula seria a mesma, com ou sem alunos. Havia professor que não olhava para a turma. Abria um livro na mão esquerda, transcrevia o livro no quadro com a direita e declamava, voltado para o quadro, o que escrevia. No curso de Física II, dado em uma sala auditório, o professor reprovou 94,6% dos alunos. Lembro bem desse número porque nós, os alunos, entramos com um pedido de anulação da disciplina usando esse número como argumento.

Quando escolhíamos a disciplina, sabíamos o horário e a sala do curso, mas não sabíamos quem ministraria as aulas. Havia um professor de Mecânica Racional com uma fama tão grande de reprovação que eu vi colegas entrarem por uma porta, darem de cara com ele, saírem pela outra porta e trancarem a disciplina. Esse professor aplicou uma prova com cinco questões. Na semana seguinte à prova, ele foi ao quadro e apresentou a solução das quatro primeiras. Os alunos perguntaram sobre a solução da quinta questão, e ele respondeu: "Eu não sei como se faz. Estou procurando a solução dessa questão há algum tempo. Coloquei na prova para ver se alguém conseguia a resposta". Fiquei reprovado nessa disciplina.

Fiz um curso de geometria aos sábados pela manhã. Eram raras as aulas nas manhãs de sábado, mas existiam. Cheguei ao colégio no qual trabalhava com a apostila usada pelo professor de geometria. O diretor da escola também era professor de Matemática. Viu a apostila e exclamou: "Você está fazendo geometria com esse professor! Eu também estudei com ele!" Pegou a apostila de minhas mãos e completou as exclamações: "Essa é a mesma apostila que eu usei, e ainda tem a mesma folha de errata!" O professor de geometria usava a mesma apostila, com a mesma folha de errata, há pelo menos vinte anos. No meio da apostila, em um dos capítulos, havia uma indicação de livro: "Para maiores informações sobre o assunto, consulte o livro 'Projeções Cotadas', a maior obra já publicada sobre o assunto". O livro era do próprio autor da apostila. Modéstia não era o forte desse professor.

Fiz uma disciplina chamada Humanidades e Ciências Sociais, oferecida na Engenharia. Ao ler o nome da disciplina, inscrevi-me com toda a animação, finalmente eu iria ler alguma coisa que não fosse gráfico e equações. Discutir temas da área humana seria um alento. O curso começou descrevendo como atuar sobre o fator humano para aumentar a produtividade em uma linha de montagem. Um dos textos lidos torceu meu estômago. Comparava um trabalhador a um burro com uma vara amarrada no pescoço e uma cenoura na ponta da vara. O burro via a cenoura e corria atrás dela sem alcançá-la. Se o burro (trabalhador) alcançasse a cenoura, ele pararia de correr. Humanidades e Ciências Sociais!

Quem leu os últimos parágrafos tem a impressão que não se salvava um professor do meu curso de graduação. Isso não é verdade. Na graduação conheci Charles Guimarães e Roberto Ribeiro Baldino que me propiciaram participações em projetos durante e após o curso de graduação. Tive aula de Probabilidade com Maria Laura Leite Lopes que direcionou o curso à licenciatura, revelando preocupações pedagógicas. Até mesmo professores tradicionais, como o professor Radival, com quem fiz o curso de Geometria Diferencial, tinha seus méritos. Era admirável como o professor Radival fazia surgir no ar, através de descrições, as figuras tridimensionais que estavam apresentadas analiticamente no quadro.

Inscrevi-me no curso de lógica em um horário no qual ministrava aulas em uma escola. Eu precisava desse curso para fechar a graduação. Fui procurar o professor em sua sala e disse:

- Eu preciso cumprir a disciplina de lógica, mas eu trabalho no horário de suas aulas. Se eu não trabalhar, eu não como. Se eu não comer, eu morro. Se eu morrer, de nada terá adiantado estudar lógica. Portanto, preciso cumprir seu curso sem assistir às aulas.

- Lógico! Mas eu não posso te liberar das provas.

Fiz o curso sem assistir às aulas e aparecendo somente nos dias de prova. O professor usava um livro importado e esgotado. Todos os dias, após cada aula, o professor deixava suas anotações de aula, que eram muito minuciosas, na xérox próxima à sala para que eu passasse lá, no dia seguinte, e copiasse as notas para estudar em casa. Passei em lógica sem ir para a prova final. Não me lembro do nome desse Mestre, mas, mesmo assim, deixo aqui meus agradecimentos.

No terceiro ano de Engenharia eu dava aula em quatro escolas. Eu já era um professor colocado no mercado de trabalho e precisava legalizar-me na profissão. Pedi transferência do curso de Engenharia para Licenciatura em Matemática. Não pense que a aura da licenciatura era muito diferente da de Engenharia. Segundo as informações que tive, 80 pessoas iniciaram o curso de licenciatura da turma que passou a ser a minha. Apenas 16 se formaram. Entretanto, as disciplinas pedagógicas eram bem mais tranquilas. Fiz o curso três mais um, três anos de Matemática, junto com o bacharelado, mais um ano de disciplinas pedagógicas. Tive que complementar o curso de licenciatura com algumas disciplinas de Matemática que não faziam parte da Engenharia. Nas disciplinas pedagógicas eu estava na minha praia, e o meu coeficiente de rendimento aumentou.

No Colégio de Aplicação, o professor de Didática da Matemática começou o curso aplicando uma prova com questões que envolviam conteúdo do Ensino Médio, dizendo que o objetivo da prova era mostrar como nós, apesar de pensarmos que dominávamos a matéria, apresentávamos diversas falhas. A essa altura do campeonato, eu já possuía milhares de horas de aulas no Ensino Médio, talvez mais do que o próprio professor de Didática. Fiz a prova respondendo às questões, fazendo indicações de como algumas questões poderiam ser melhoradas e indicando erros nas questões, inclusive alguns erros conceituais. O professor nunca devolveu o resultado dessas provas.

Em termos de ritmo de atividades, o último ano da faculdade foi um dos anos mais corridos da minha vida. Ainda cumpria disciplinas de Matemática no Fundão, fazia as cadeiras pedagógicas na Praia Vermelha, Urca, o Colégio de Aplicação na Lagoa e trabalhava em diversos lugares (Nova Iguaçu, Ilha do Governador, Centro da Cidade, Catete, Copacabana e Jacarepaguá), tudo isso sem carro. Dormia dentro dos ônibus, inclusive em pé. Nunca consegui estudar em condução, ler com o ônibus em movimento me dá náuseas, portanto, aproveitava as conduções para dormir.

Nesse ano, de segunda a sexta-feira não havia um dia que desse para tirar o horário de almoço. Eu comprava um biscoito recheado da Piraque e comia enquanto me deslocava. Era a quantidade de glicose que eu precisava para sustentar o dia. Uma refeição ocorria à noite quando chegava a casa. Eu tenho 1,87 m de altura e tive 100 kg quase que a minha vida inteira. Terminei a faculdade com 70 kg.

Minha mulher e um amigo diziam para que eu parasse com o ritmo louco que estava levando e fosse terminar a faculdade em uma instituição particular, o importante era a licenciatura. Eu retrucava que tinha ralado muito na UFRJ para ter meu diploma emitido por outra instituição. Aquilo não era mais uma questão prática, era uma questão de brio.

Ao terminar o curso, dei entrada na colação de grau. Para meu espanto e desespero, constava que eu teria sido reprovado na cadeira de Análise Real. Eu fiz a disciplina e por um ponto deveria ir à prova final. Fui à sala do professor e pedi que ele revisse uma questão. Eu havia encontrado um limite sem provar previamente que o limite existia. A questão valia dois pontos e o professor considerou a questão toda errada. Argumentei que, por ter encontrado o limite, mereceria metade dos pontos da questão. O professor concordou e alterou a minha nota na prova, acrescentando o ponto que faltava para que eu não fosse para a prova final, mas ele se esqueceu de alterar a nota na secretaria. Quando eu dei entrada na colação de grau, o professor já não fazia mais parte do quadro de professores da UFRJ, e meu ponto ficou perdido na prova, junto com a minha colação de grau. Teria que fazer mais um semestre de curso.

Por sorte, os originais de todas as provas eram arquivados na secretaria. Solicitei uma cópia da prova de Análise Real. Ao receber a cópia, meu ponto estava lá, com a letra do professor. Entrei com um pedido de alteração de nota e fui atendido. Dei entrada na colação de grau.

Lembro-me do dia da minha última prova na licenciatura. Ao terminá-la, fui caminhando até o ponto de ônibus. Winston Churchill disse: "Se você estiver passando pelo inferno, não pare". Eu não parei, mas saí da minha graduação com uma mágoa profunda. Sentia que tinha sido chamado de burro por anos seguidos. No trajeto até o ponto de ônibus, prometi que nunca mais pisaria no Fundão. Foram necessários mais de vinte anos para que eu retornasse, para fazer o mestrado, mas isso pertence a outras páginas.

Um ano depois de terminar minha graduação, fiz um novo vestibular e comecei o curso de Licenciatura em Matemática na Universidade Federal Fluminense. Para mim e para os outros, que não entendiam o que eu estava fazendo, usava como desculpa que eu queria conhecer a linha de lógica que a UFF seguia. De fato, minha nova licenciatura estava ligada a minha mágoa. Entrei em uma universidade federal sem a ingenuidade que tinha quando abordei o guarda na porta do Hospital Universitário do Fundão e com a carga de experiência de quem já era formado. Fiquei lá por um ano. Tempo suficiente para perceber que o Fundão jamais me chamou de burro. Ele me mandou um recado durante todo o tempo que estive lá:

Não é você que nós queremos aqui!