A Proposta


Sou professor, e esse é o título que mais me define. Ministrei mais que 50 000 aulas durante a vida (Se você vive de aula, pode verificar que 50 000 aulas não é um número absurdo. Quarenta tempos de aula por semana vezes 40 - estimativa de semanas trabalhadas efetivamente com aulas durante um ano - resulta em 1600 aulas por ano. 1600 aulas por ano vezes trinta anos resulta em 48 000 aulas. Eu dei, em média, durante um bom tempo, mais que 40 aulas por semana, o que é a realidade de muitos professores nesse país). Outros títulos que tenho, talvez com exceção do título de pai, não tiveram a importância que professor teve na constituição de minha subjetividade. Passei a maior parte do meu tempo de vida dentro de uma sala de aula ou desenvolvendo atividades ligadas à sala de aula, e a consciência de um homem, a construção de quem ele é, sua forma de ver o mundo e de relacionar-se com ele é reflexo de sua práxis, sua pratica e reflexão sobre essa prática. Portanto, sou professor.

Uma das coisas que muito me incomodou nesses anos de trabalho foi a ausência de memória no magistério. Não temos o hábito de registrar nossas experiências, projetos que deram certo ou que deram errado, propostas de trabalho e análises desses projetos. Com isso, alguém que queira reproduzir um projeto tem que começar do zero, repetindo erros e acertos cada vez que um novo alguém se proponha à reprodução. Penso que, de fato, quem deveria ter a incumbência desses registros seria a instituição na qual o trabalho foi desenvolvido. A memória da instituição seria condição de aprimoramento dos projetos. Ensinamos História e propomos construções de conhecimentos, mas não registramos nossa História nem os erros e acertos no processo de construção de conhecimentos com os alunos.

Revistas especializadas apresentam os trabalhos dos médicos e permitem que outros deem continuidade às experiências de seus pares. Um prontuário é um registro de procedimentos e resultados das práticas médicas. Imagine se cada médico tivesse que partir do início diante de cada caso observado. Já ouvi dizer que o magistério não é uma profissão, e um dos motivos disso é a ausência de memória do magistério.

Uma vez propus a um grupo de professores que criássemos um site cujo nome seria "Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos" (título de um filme de Marcelo Masagão). Um professor, ao se aposentar, adquiriria um túmulo e nele colocaria todos os projetos, provas e textos que produziu na sua vida de professor, para que aqueles que estivessem atuando pudessem usar da forma que melhor lhes aprouvessem. Os professores acharam a proposta muito macabra, mas, com as devidas adaptações, esse site poderia ser usado como um arquivo de experiências do magistério, e não seria necessário que um professor esperasse a aposentadoria para compartilhar suas experiências.

Esse site é o depositário de minhas experiências e materiais produzidos, registro de quem sou e esperança de que o site "Nós que Aqui Estamos por Voz Esperamos" um dia seja construído, para o registro de quem somos.